segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Marcos Napolitano, historiador, ao Café História, em 2014, sobre o golpe de 64 e a ditadura (o que diria hoje sobre o esgotamento do “caráter messiânico” das Forças Armadas pela experiência da ditadura?)

Marcos Napolitano é um historiador cujas pesquisas sobre o golpe de 64 e a ditadura que se lhe seguiu devem ser lidas com atenção. Destaco dois pontos da entrevista de 2014, www.cafehistoria.com.br/regime-militar-brasileiro-uma-historia-de-muitas-batalhas/:
A crítica ao argumento da conjuntura de então esgotar o golpe, bem como não autorizar inferências à ditadura adiante; a ambigüidade incômoda das Forças Armadas quanto ao regime que executaram, explicitamente, até 1985.
“O golpe de 64 foi uma das batalhas da Guerra Fria na América Latina”, palavras de Napolitano, sem prejuízo da componente circunstancial interna, do ambiente polarizado em que estava imerso o governo Jango, sem esquecer, todavia, de mobilizar, concomitante, o aporte teórico que o justifica como historiador, ao falar das múltiplas temporalidades no acontecimento decisivo do golpe que não pode ser compreendido como mero dado, mas, produção social para cuja narrativa indispensável considerar “o golpismo da direita udenista (...) desde 1950, bem como a desconfiança dos militares da capacidade de mobilização popular de tradição getulista e trabalhista.” Napolitano ressalta ainda o modelo como projeto de Estado a servir para os golpes vizinhos posteriores, entre os quais o que sofre Allende, no Chile, em 1973, aliás, a 11 de setembro de 1973: propaganda de desestabilização, aliança de classes superiores com a direita militar (da qual não se exclui – penso eu, no caso brasileiro, com alguma distinção do chileno – a nacionalista autoritária, não alinhada com os EUA, embora visceralmente anticomunista), segurança sob um Estado indutor do desenvolvimento em uma economia de mercado.


Já o segundo ponto diz respeito à chamada “transição democrática”. Menos por pressão insuportável da frente de oposições do que pela ameaça representada à unidade e à hierarquia militares pela “politização da oficialidade durante a ditadura”. Ainda não li o livro de Napolitano, “1964 – História do Regime Militar Brasileiro”. Nele, certamente a “politização da oficialidade” pode também encontrar um viés de expressão significativo na autonomia que ganharam as “comunidades” de informação, segurança e repressão. Estas ameaçaram, de fato, os cânones militares de hierarquia e unidade. Eis a ambigüidade: embora ressentidos  por não terem o reconhecimento que acham que mereciam por salvar a pátria cristã do ‘perigo vermelho”, sabem os militares que, dentre as razões para o afastamento da política por período de tempo inédito como o que temos desde 1985, está o constrangimento incômodo, difícil de admitir num trabalho de memória, das torturas, repressão e censura enquanto política de Estado, entregues, de resto, sem escrúpulos, a órgãos, aos intestinos da subversão militar, pois que não foram outra coisa as “comunidades” de informação, segurança e repressão: subversão interna da ordem militar.
Esta postagem já está longa. Mas, como os dois pontos excederam, vale apontar mais dois:
Napolitano afirma que o “caráter messiânico” das Forças Armadas esgotou-se pela experiência da ditadura. A entrevista é de 2014. Hoje, penso que o historiador pararia pra pensar e enfatizar um outro ponto da entrevista, aquele em que se refere ao amadurecimento do debate historiográfico relativamente “a um exame mais profundo sobre os processos sociais da construção da memória sobre a ditadura.” Não acham?

SRN

Nenhum comentário:

Postar um comentário